“Passei metade da minha vida a preocupar-me com coisas que nunca aconteceram…”. Encontrou a frase gravada num banco de jardim. Tão inesperado. Sabia que cada banco de jardim, onde quer que esteja, é sempre um Portal Poético para uma outra dimensão, mas jamais teria esperado encontrar algo assim. Para além das inevitáveis declarações de Amor, já tinha lido de tudo em bancos de jardim, mas nunca algo que pudesse mudar assim a vida a alguém, de alguém. A princípio, a ideia era sentar-se naquele banco porque dali a vista era linda, e capaz de inspirar à amplitude de visão e pensamento que ele almejava. Um dos poucos pontos da Vila onde dava para ver o Castelo e o Palácio. E depois meditar, procurar soluções com os olhos postos na beleza estendida dessa mesma vista. Mas ao invés de se encontrar na plenitude da paisagem ampla e ímpar que procurara para justificar e projectar as suas intenções de dar um rumo à sua vida, encontrou-se numa gravura rude e sem arte feita no banco que decidiu limpar antes de nele se sentar. E foi precisamente nessa pose que ficou, curvado diante do banco, com uma das mãos a tocar a sua madeira algo abatida pelas manhãs contínuas de orvalho. Olhando para a frase, precariamente talhada na madeira do banco que já perdera muita da tinta verde que um dia o revestira por completo. “Passei metade da minha vida a preocupar-me com coisas que nunca aconteceram…”. Ia tocando cada letra mal delineada, mas profundamente inscrita na madeira, fazia-o como se fosse um cego lendo em Braille. Mesmo quando o corpo não vê, a Alma sente. Sempre. Sentindo a rugosidade da madeira escarificada, com os dedos, continuou a redesenhar cada letra da frase como se estivesse a gravá-las em si, para levar a frase consigo. Estava consumada a intenção da ida àquele lugar, uma consumação muito para além do que pudesse ter sigilosamente pedido ao seu Íntimo, antes de para ali seguir. Quando pedimos, as respostas chegam-nos. Sempre. Já nem era preciso sentar-se, não havia nada para descobrir na paisagem. O que havia para ser visto já tinha sido avistado, reconhecido. O que precisava encontrar, já lhe havia sido Revelado. Endireitou-se. De costas para essa paisagem já outrora promissora, a tal que dava simultaneamente para o Castelo e Palácio, olhou em frente. Baixando a cabeça, olhou uma última vez para a frase e ficou nas reticências. “ (…) A vida é aquilo que tu quiseres fazer dela, com ela.”. Lembrou-se da frase antiga de um amigo secular. Voltou a olhar em frente. Seguiu em passos firmes pelo mesmo caminho que o havia visto chegar. Com um rumo, uma direcção, um sentido. Sendo assim, vamos lá então, trabalhar… Para dar forma à Vida, ao seu conteúdo, para a reescrever a partir do livro aberto cinzelado nestas Reticências…
1 comentário:
Gostei.. mas só até metade..depois pareceu-me repetitivo
Enviar um comentário