quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Da Dança (Ao Desaguar do Néctar em tua Flor)

Onde estive? Isso interessa se agora estou?

E se for bom demais? Isso interessa se o que não conhece começos jamais conhecerá finais?

Em verdade, o que poderá importar, se realmente nada interessa…

Banida a conversa, porque há quem Ame odiando a retórica, veio a Dança.

E foi descobrir que A tínhamos em nós, que velozes nos tornávamos Nela bastando que déssemos as mãos… Como um Círculo que se fecha dando à Luz o Sentido afinal!

Quando sobrelevámos a moção excedida, comoção!, olvidamos a Vida e a Morte. Alcei-te aos meus braços e tu, de pernas trancadas em mim, ainda tentaste a derradeira resistência que até então nada mais havia feito do que afirmar o teu desconcertado desejo de rendição. Inconsequente, faltaram-te as forças que a mim sobraram. Pois aí já o Mundo não o era, ascendido a um impulso onde não há Dia nem Noite, apenas os matizes dos nossos sons rasgados de prazer. E também as roupas foram condenadas à expulsão perpetua, tendo se pulverizado estilhaçadas pelo nosso avanço.

E sobre uma pista incandescente, a Dança continuou. E sobre um palco incendiado, a peça sobrepujou. E quando esperavas uma direcção sabida, também eu me surpreendi a mim mesmo, abdicando ser o rumo conhecido, lançando-me ao desconhecido.

Foi quando, lendo a entrega com que se abria o livro das tuas já desprotegidas ilhargas, avancei pronunciando beijos versados com um propósito insular…

Ultrapassadas tuas pernas com estes lábios que só conhecem Poesia arremessada para ti, deliciei-me em tua Flor. Beijei-te as pétalas carnudas vibrando-as, e de tanto te deliciares, incontida, desaguaste com o Néctar jorrado.




(…) acércate a mí
abrázame a ti por Dios

entrégate a mis brazos. (…)


(Pasion, Rodrigo Leão & Lula Pena)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

“Penélope” (A Ascensão da Gata que Morreu por Amor)

Clave do Sol…

[Assim que o salão ficava vazio, só nós e a acústica angelical, sentava-te ao meu colo. Pegava nos teus dedos, tu sorrias fingindo um embaraço que sentias, e fazia-os acariciar as teclas de marfim de um lado. Do outro, minha mão solta sobre o que restava de notas e sustenidos liberando a novela de sons solventes ao dorso da qual nos elevávamos…]

Serena, há algum tempo venho sentido, floriu, chegou a hora, vou contar-te a tua estória.

[A pouco e pouco, tu seguias tocando o piano.]

E se tivesses amado tanto que sentisses não conseguir ir mais além? Sem mais Terra, Céu ou Mar para desvendar, o que restaria? Por embaço ou angústia, poderias pensar, “nada, nada mais poderá restar”… Foi assim que ficaste, límbica…

[Lentamente, como o Céu que se põe antes do laborioso pranto do prazer, eu chovia com a melodia.]

Morreste de tristeza, exaurida, silenciosamente foste finando a tua Luz até apagar… Porque te negaram o Sopro Vital da Alma, ser Amada. Pelo ciúme e perfídia dos outros, tu e o teu Amor foram separados em vida. E por ignorarem a morte que sobreveio, estiveram desde então lado a lado. Ambos o sabiam, mas nenhum o aceitava, porque nunca o quiseram ver. Ligados pelas costas, deixaram-se andar, espectrais, vida após vida, ignorando as sucessivas mortes, cada um no colo da melancolia do outro.

[Aspergia teu corpo com o meu e logo despontavam flores em ti. Flores que colhia e desflorava, pétala a pétala. Ah! Primavera...]

Fantasmas do Amor. O tempo todo em que pareceu que estiveram amarrados foi mesmo tempo. E foi por isso que ele te dizia quando falava sozinho: “Parece que tens andado sempre aqui e eu aí”. E foi por isso que te parecia ouvir um sussurro familiar atrás de ti…

[Roupas jogadas ao chão, corpos germinados um no outro, sobre o piano, um imenso jardim no interior de uma caixinha de música onde o par de bailarinos dançavam lentamente rodopiando. Quem eram não pode ser dito, porque o Ser é feito de Som e não de palavras… Que eram sublimes Sonâncias só possíveis ao sentir transcendido, é só o que pode ser testificado…]

“Mas é preciso que continuemos a ser só em Nós?”, perguntou Ele, “Quando podemos ser em Tudo?, respondeste tu. É por isso que digo: “Vai, ascende”. É por isso que prometo: “E assim voará Ele também.”

[Já as luzes da Cidade Luz bruxuleavam sentenciando a brevidade do sonoite e o augúrio do serão, quando disfarçadamente arrumávamos as pautas. As roupas, agora cúmplices, ajeitadas para esconder os vestígios do Amor que ficavam abafados rente ao corpo, sobrepujando-o até ao próximo encontro, que ficava logo selado pelo vinculo entre olhares. Até lá, era aguardar, entre sonhos e suspiros…]

Agora que deixaste que te lavasse os olhos em Água de Rosas e que tive o cuidado de deixá-la escorrer até ao teu Coração… E se te disser que agora são renascidos, que vos sei andarem por aí, na rota um do outro. Tão perto, tão perto de se encontrarem… E se te disser isso?...

[Entretanto, seguiam-se os dias em que o Piano descansava…]

Essa Luz Quente Maternal que sentes, sim, deixa-a envolver-Te… Sim, eu sei, é Maravilhoso. Boa Viagem, Serena, segue Sorrindo…

[Mas o som, escondido no Éter, esse permanecia dançando pela sala.]

Barra dupla.



(Beth Gibbons - L'Annulaire)