quinta-feira, 1 de setembro de 2011

“Penélope” (A Ascensão da Gata que Morreu por Amor)

Clave do Sol…

[Assim que o salão ficava vazio, só nós e a acústica angelical, sentava-te ao meu colo. Pegava nos teus dedos, tu sorrias fingindo um embaraço que sentias, e fazia-os acariciar as teclas de marfim de um lado. Do outro, minha mão solta sobre o que restava de notas e sustenidos liberando a novela de sons solventes ao dorso da qual nos elevávamos…]

Serena, há algum tempo venho sentido, floriu, chegou a hora, vou contar-te a tua estória.

[A pouco e pouco, tu seguias tocando o piano.]

E se tivesses amado tanto que sentisses não conseguir ir mais além? Sem mais Terra, Céu ou Mar para desvendar, o que restaria? Por embaço ou angústia, poderias pensar, “nada, nada mais poderá restar”… Foi assim que ficaste, límbica…

[Lentamente, como o Céu que se põe antes do laborioso pranto do prazer, eu chovia com a melodia.]

Morreste de tristeza, exaurida, silenciosamente foste finando a tua Luz até apagar… Porque te negaram o Sopro Vital da Alma, ser Amada. Pelo ciúme e perfídia dos outros, tu e o teu Amor foram separados em vida. E por ignorarem a morte que sobreveio, estiveram desde então lado a lado. Ambos o sabiam, mas nenhum o aceitava, porque nunca o quiseram ver. Ligados pelas costas, deixaram-se andar, espectrais, vida após vida, ignorando as sucessivas mortes, cada um no colo da melancolia do outro.

[Aspergia teu corpo com o meu e logo despontavam flores em ti. Flores que colhia e desflorava, pétala a pétala. Ah! Primavera...]

Fantasmas do Amor. O tempo todo em que pareceu que estiveram amarrados foi mesmo tempo. E foi por isso que ele te dizia quando falava sozinho: “Parece que tens andado sempre aqui e eu aí”. E foi por isso que te parecia ouvir um sussurro familiar atrás de ti…

[Roupas jogadas ao chão, corpos germinados um no outro, sobre o piano, um imenso jardim no interior de uma caixinha de música onde o par de bailarinos dançavam lentamente rodopiando. Quem eram não pode ser dito, porque o Ser é feito de Som e não de palavras… Que eram sublimes Sonâncias só possíveis ao sentir transcendido, é só o que pode ser testificado…]

“Mas é preciso que continuemos a ser só em Nós?”, perguntou Ele, “Quando podemos ser em Tudo?, respondeste tu. É por isso que digo: “Vai, ascende”. É por isso que prometo: “E assim voará Ele também.”

[Já as luzes da Cidade Luz bruxuleavam sentenciando a brevidade do sonoite e o augúrio do serão, quando disfarçadamente arrumávamos as pautas. As roupas, agora cúmplices, ajeitadas para esconder os vestígios do Amor que ficavam abafados rente ao corpo, sobrepujando-o até ao próximo encontro, que ficava logo selado pelo vinculo entre olhares. Até lá, era aguardar, entre sonhos e suspiros…]

Agora que deixaste que te lavasse os olhos em Água de Rosas e que tive o cuidado de deixá-la escorrer até ao teu Coração… E se te disser que agora são renascidos, que vos sei andarem por aí, na rota um do outro. Tão perto, tão perto de se encontrarem… E se te disser isso?...

[Entretanto, seguiam-se os dias em que o Piano descansava…]

Essa Luz Quente Maternal que sentes, sim, deixa-a envolver-Te… Sim, eu sei, é Maravilhoso. Boa Viagem, Serena, segue Sorrindo…

[Mas o som, escondido no Éter, esse permanecia dançando pela sala.]

Barra dupla.



(Beth Gibbons - L'Annulaire)

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