terça-feira, 22 de setembro de 2009

De Viagem (Voluntário, hoje é dia de partir para ser Feliz)

Suspirou pesadamente. Não de tristeza, mas sim perante a inevitabilidade de uma decisão tomada. Não havia mais nada a fazer. Aceitar pode ser um dos maiores actos de coragem, o pêndulo entre o medo da cobardia ou a certeza da ousadia. É preciso ser arrojado, do dizer ao fazer está o passo que muda o mundo. Sempre disse que ia mudar o mundo, nunca o fiz. Agora que me calei, que fique em segredo, mas estou gradualmente a consegui-lo. Mas como disse aquela sua outra amiga ‘O que é certo é fácil’. Então para quê preocupar-se? O Sol brilha sempre mas é preciso saber procurar o melhor lugar para se ser repleto do seu amável manto. Olhou ao redor e viu um quarto devoluto onde morara durante anos. No seu estômago a inquietação da partida a reverberar no vazio daquela oca catacumba. Não há problema, é sinal que estou vivo… Os anos em que o seu corpo ali estivera deitado e a Alma sempre à porta chamando-o para conhecer o mundo. Finalmente despertara. Às vezes é ao contrário, a Alma dorme e o corpo anda por aí ‘ao Deus dará’… O ideal seria partir sem nada, mas ainda melhor que isso tinha uma mochila desocupada que já colocara confortavelmente às costas despertadas de uma velhice falaciosa. Agora que a juventude eclodiu por força do atrevimento de ter rompido uma casca de timidez, as rugas que só existiam na minha imaginação dissiparam-se ao som de um melódico epitáfio. Leve, sem ter a intenção de guardar o que quer que seja, pegou somente no caderno de folhas por estrear. Palavras, Desenhos e Recortes, irão testemunhar o que estiver para vir. Só para depois jogar tudo ao mar. Deixou abandonadas as chaves em cima das mantas onde a gata já não dormia e abalou até ao corredor de saída. Tinham sido meses de hesitação, anos de expectativa. Teria sido a Esperança uma ilusão, ou no fundo a Fé simplesmente estivera sempre a ganhar forma depois de há muito germinada?... Esperou somente pelo despontar improvável de flores num vaso abandonado e mal regado durante não sei quanto tempo na marquise do quarto de um parente que durante anos escreveu versos sobre álcool. Quanto a si, há já muito havia optado gravá-los sobre papel com uma caneta especial, tinta de luz. Quem lê escolhe a cor, quem sabe decifra-a. Tem tudo a ver com Amor e Devoção. Sem saber bem porquê sorriu. Apesar de tudo, sentiu-se bem, de Coração vasto. Abriu a porta, saiu, e deixou-a fechar-se sem estrondo.


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