David Chetlahe Paladin (o seu nome verdadeiro) partilhou comigo a sua estória em 1985; morreu em 1986. É um testemunho do potencial humano de alcançar uma qualidade de poder interior que desafia as limitações da matéria física. Quando o conheci, ele irradiava uma qualidade de empoderamento que era rara, e eu tinha de saber como ele tinha conseguido aquilo que tantas pessoas procuravam conseguir. David foi um dos meus melhores mestres, uma pessoa que dominava a verdade sagrada Respeitar os Outros e que transmitiu plenamente aos outros a energia da sefirá de Yesod e do sacramento da Comunhão.
David era um índio Navajo que cresceu numa reserva durante as décadas de 1920 e 1930. Ao chegar aos onze anos, era um alcoólico. Deixou a reserva a meio da adolescência, vadiou durante uns meses, depois arranjou emprego num navio mercante. Só tinha quinze anos mas fez-se passar por dezasseis.
A bordo do navio fez amizade com um jovem alemão e com outro jovem norte-americano. Juntos viajaram por portos por todo o Oceano pacífico. Como passatempo, David começou a desenhar. Um dos temas que desenhava era as casamatas que os japoneses estavam a construir nas diversas ilhas dos Mares do Sul. Foi no ano de 1941.
Os desenhos das casamatas de David acabaram por ir parar às mãos dos militares americanos. Quando foi recrutado para o serviço militar, presumiu que continuaria o seu trabalho como artista. Em vez disso, passou a fazer parte de uma operação secreta contra os nazis. O exército tinha recrutado Navajos e outros nativos americanos para uma rede de espionagem. Os operacionais eram enviados para trás das linhas inimigas e transmitiam informações à base principal de operações militares na Europa. Por poderem ser interceptadas todas as transmissões via rádio, eram utilizadas as línguas nativo-americanas para garantir que nenhuma mensagem captada pudesse ser interpretada.
Quando David estava atrás das linhas do inimigo, foi capturado por um grupo de soldados nazis. Os nazis torturaram-no, entre outras coisas, pregando-lhe os pés ao chão e obrigando-o a estar de pé nessas condições durante vários dias. Depois de sobreviver a esse horror, David foi enviado para um campo de exterminação por ser “de uma raça inferior”. Quando o estavam a empurrar para dentro de uma carruagem sentiu uma carabina a empurrar-lhe as costelas, ordenando-lhe que andasse mais depressa. Virou-se para defrontar o soldado nazi. Era o alemão com quem David tinha feito amizade a bordo do navio mercante. O amigo alemão de David tinha feito preparativos para David fosse transferido para um campo de prisioneiros de guerra, onde passou os restantes anos da guerra. Quando os campos foram libertados, soldados americanos encontraram David inconsciente e moribundo. Transportado para os Estados Unidos, David passou dois anos e meio em coma num hospital militar em Battle Creek, no Michigan. Quando finalmente saiu do coma, tinha o corpo tão enfraquecido pelas experiências do campo de prisioneiros que não conseguia andar. Tiraram-lhe as medidas para um aparelho ortopédico e, com a ajuda de muletas, conseguia arrastar-se em distâncias curtas.
David tinha tomado a decisão de regressar à reserva, dizer um último adeus à sua gente e entrar para um hospital de veteranos e ficar lá o resto da vida. Quando chegou à reserva, a família e os amigos ficaram horrorizados com aquilo em que se tinha tornado. Reuniram-se em conselho para descobrirem como podiam ajudá-lo. Depois da reunião de concelho, os anciões aproximaram-se de David, arrancaram-lhe o aparelho das pernas, ataram-lhe uma corda à cintura e atiraram-no para as águas profundas. “David, chama teu espírito de volta”, ordenaram. “O teu espírito já não está no teu corpo. Se não conseguires chamar o teu espírito de volta, soltar-te-emos. Ninguém pode viver sem o seu espírito. O teu espírito é o teu poder.”
“Chamar o espírito de volta”, contou-me David, foi a tarefa mais difícil que jamais teve de empreender: “Foi mais difícil do que suportar que me pregassem os pés ao chão. Vi as caras daqueles soldados nazis. Vivi aqueles meses todos no campo de prisioneiros. Sabia que tinha de soltar a minha raiva e o meu ódio. Quase não conseguia impedir-me de me afogar, mas rezei para expulsar a raiva do meu corpo. Foi por isso que rezei e as minhas preces foram atendidas.”
David recuperou totalmente o uso das pernas e de seguida tornou-se um xamã, um sacerdote cristão e curador. Voltou também a desenhar e ganhou reputação de artista altamente dotado.
David Chetlahe Paladin irradiava uma qualidade de poder que parecia a Graça em si. Tendo sobrevivido a um confronto com o lado mais sombrio do poder, transcendeu essas trevas e passou o resto da vida a curar e a inspirar pessoas a “chamarem o seu poder de volta” de experiências que esgotaram a força vital dos seus corpos.
In, A Anatomia da Alma, Caroline Myss