- O que achas do casamento?
- O casamento formal?
- Isso, com tudo incluído.
- Acho que a união de duas almas, em dois corpos, para caminharem juntas no melhor e no pior, por pelo menos uma vida, é do mais profundo que possa haver... mas não sinto que seja preciso validação externa, a menos que seja mística... mas aí será interna, não?... É como o baptismo, só me faz sentido se houver alguma transmissão, se quem baptiza te ajudar a "receber ou "desbloquear" a graça, o Espírito Santo em ti. No casamento deveria ser a mesma coisa, mas num elo assumido entre as duas almas. Não sei se é demasiado poético ou seja lá o que for, mas é o que sinto.
Ambos ruminaram, sem mascar em demasia. Que se desenquadravam, ou assim se sentiam, do grosso da gente, era-lhes um facto.
- Acho que tanto homens como mulheres têm medo do compromisso, sobretudo nos dias de hoje. A cultura de narcisismo, superficialidade e precipitação emocional opõe-se à perspectiva de termos de fazer cedências, por vê-las como um sinal de fraqueza e não de consciência. Pausou. Temos medo do amor, da entrega. Numa relação o ego é posto em causa, contudo somos condicionados a idolatrar o ego desde o berço. Tens aí o problema? Ele acrescentou.
- Oh, vamos ficar todos sozinhos para sempre? Que triste... Lamentou ela.
- Não estamos sós, estamos com Deus.
Dois pardais, quem sabe um casal, rasaram-nos com um voo flexuoso. Conversavam em viva-voz, carne e osso, à margem de ironias, uma prática em desuso. Sentados num dos bancos do Miradouro da Vigia, apaniguados pelo maior plátano, alienavam a vista do diálogo, dos pensamentos, pousando-a no Palácio da Pena, Castelo dos Mouros e Monte Sereno, plantados numa serra que ali permaneceria muito depois deles.
- Mas também não faças caso do que te digo...
- Porquê?
- As mulheres fogem de mim, desde tenra idade.
- Isso é porque andas noutra dimensão. Surpreendeu-o.
- Outra dimensão? Estou morto e ninguém me avisou? Gracejou.
Ela riu-se. Ele comprazeu-se de a ter feito rir. Com isso concentraram-se nos tufos de boninas que cresciam naturais, à revelia da tentativa de organização imposta pelo jardim humano. E a Primavera anunciando-se.
(Miradouto da Vigia, Jehoel)
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