Aconchegados num dos seus Lugares do costume. Um melro pousou afoito e curioso como se para ele não houvesse ocasiões para o que quer que seja, como se o mundo fosse um lugar mágico onde tudo simplesmente se limita a Acontecer. Olhou-os, como se os tivesse reconhecido, piou algo no seu idioma indefectível e saiu voando, ascendendo e descendendo no ar com a leveza de quem vive dançando sem precisar de saber o que é Dança.
- O mundo seria um lugar bem mais pacífico se entendêssemos que a repulsão é um tipo de ligação… E por vezes bem mais forte do que a atracção. - Isso é a maneira subtil que encontraste de me dizer que é por isso que os ‘fantasmas encarnados’ ciclicamente voltam ao palco da minha vida para me atazanar o juízo? - Vou deixar as conclusões ao teu critério, Princesa… - E eu vou tomar isso como um ‘sim’… Ela ficou calada, esperando que ele pronunciasse as palavras imbuídas de Amor que para ela, mais do que isso, eram as sapienciais do costume. Conseguiu até se evolar o limite da sua angélica paciência. - Vá lá! Diz lá o que devo fazer? Protestou gesticulando com as mãos que pareciam modelar algo de insondável na atmosfera. - Não seria melhor que fosses tu a descobri-lo por Ti própria? - Sim, eu sei! Mas não me apetece esperar! Ajuda-me! Riram-se porque estavam coordenados nas Almas, e por isso no aninho mútuo que partilhavam com a aura daquele Reduto Sereno que os acolhia sempre como se fosse a primeira e única vez. - ‘Fugir’ é diferente de ‘sair’, ‘entrar’ não tem nada a ver com ‘forçar’… Acho que deves aceitar esses “fantasmas encarnados” tal como são, ou de outro modo hão-de sempre voltar, seja na forma deste ou daquela. Não tentes fazer o que quer que seja para os mudares, porque na verdade a mudança só virá se acontecer em ti. - Quando eu conseguir Estar sem sentir repulsão ou atracção, serei livre daquilo que me faz fugir quando sinto medo e do que me abduz quando me sinto seduzida… - Pelo menos é o que sinto, Meu Bem…
Cheia de mimo, esticou-se até deitar por completo naquele banco encantado, que de tão bem conhecer os Amantes já os tinha como parte dele. Aninhou a cabeça no colo do rapaz e procurou o Céu. A brisa do final de dia, hora nobre dos namorados e namoradas, despenteava-lhe o vestidinho leve e claro de Verão. O Horizonte era todo Ele um painel inenarrável de cores deixadas pela passagem do Sol que do outro lado do globo já começava a prenunciar a chegada do dia. São assim os Ciclos...
Post Scriptum: É a única coisa que posso dizer, que ela tem cheiro de Magnólia...
- Não penses tanto, não vale a pena. Disse ela sorrindo silenciosamente. Como podes querer saber acerca de um ‘lugar’ que desconheces porque nunca ‘lá estiveste’? Uma coruja entoou o seu canto sábio, trazendo poesia e sincronicidade. - Portanto, resta-te lá chegar, e quando isso acontecer, vais ver que de nada valeu a pena especular, porque o de ti que tentava perceber já não existirá, e terá dado lugar a um novo e mais subtil Ente. Ele assentiu sem precisar de qualquer tipo de gesto. Limitou-se a inscrever com o dedo um símbolo de Amor nas linhas da mão dela.
Depois deslizou seus dedos por entre os dela, até as mãos se entrecruzarem, deixando guardado entre as palmas o calor das suas Almas Amantes.
Escoltados pelos Seres de Luz, seguiram passeando pelas ruas encantadas de Cíntia, imbuídos do Espírito Nocturno, seus sons, seus suspiros etéreos. Não pronunciaram uma única palavra. Andaram de mãos dadas num silêncio supremamente melódico.
Nessa noite chegaram à sua singela e acolhedora casa. Acenderam velas perfumadas que tingiram o quarto de tons quentes bruxuleantes, e Amaram-se como se não houvesse tempo e espaço.
No dia que amanheceu já não existiam, nunca mais ninguém soube deles. Ter-se-ão transformado num só Arco-íris que poucos conseguirão ver.